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10/06/2012 | Encontro marcado com a Justiça
REVISTA VEJA - 10 de Junho de 2012 - Rodrigo Rangel
Os ministros do Supremo Tribunal Federal confirmaram para agosto o início do julgamento do maior caso de corrupção da história republicana brasileira
Ás 14 horas do próximo dia 10 de agosto, o Supremo Tribunal Federal começa a escrever o capítulo final do escândalo do mensalão, um dos mais emblemáticos acontecimentos políticos da história recente do Brasil. Os ministros da corte vão decidir se os 36 réus acusados de participar do maior caso de corrupção do período. republicano são ou não culpados das acusações feitas pelo Ministério Público. Será um julgamento marcado por vários simbolismos. Dependendo do veredicto, ficará em xeque a reputação. de um partido, de seus principais dirigentes, de todo um grupo que planejou se perpetuar no poder comprando. alianças políticas através de milionários subornos. Dependendo do veredicto, os brasileiros terão a chance de testemunhar o desejada e incomum encontro de gente poderosa e influente com a Justiça, cena rara na país. Mais importante, porém, é que, seja qual for o veredicto, a perspectiva de que o escândalo seja julgado de maneira isenta por juízes independentes na mais alta corte do Brasil é uma prova extraordinária da maturidade da democracia brasileira e da força de suas instituições. A fixação da data do julgamento constitui um passo decisivo nesse sentido - e uma derrota daqueles que acreditaram que pressões indevidas do partido do governo e de seu carismático e popular líder, o ex-presidente Lula, fossem capazes de fazer retroceder as conquistas civilizatórias duramente obtidas pela sociedade.
O calendário e o formato do julgamento já vinham sendo discutidos em privado pelos ministros do STF defensores de uma rápida solução para o caso, que tramita na corte há cinco anos. Avançaram na mesma velocidade do lobby de Lula para tenatr impedir que ele acontecesse agora. Desde que deixou o governo, o ex-presidente se lançou numa das mais ambiciosas campanhas de sua vida, destinada a limpar a própria biografia e a imagem do PT: apagar da história o capítulo do mensalão. Essa ação messiânica começou com gestos aparentemente republicanos, mas, com o passar do tempo, Lula recorreu a movimentos temerários, como a instalação da CPI do Cachoeira, a fim de atingir setores que investigaram o esquema desejado, o ex-presidente mandou às favas os bons costumes e o respeito às instituições para pressionar diretamente os ministros do STF a adiar o julgamento do caso para o próximo ano.
A ideia era livrar o PT do risco de disputar as eleições municipais de outubro com uma condenação capital nas costas e, de quebra, aumentar a chance de prescrição de crimes imputados a petistas de proa, como o deputado cassado José Dirceu. Conforme revelado por Veja, Lula chegou a ameaçar o ministro Gilmar Mendes, insinuando a possibilidade de fazê-lo alvo da CPI caso não atendesse ao lobby petista. Na semana passada, veio o castigo. O ex-presidente recebeu uma prova cabal de que suas estratégias resultaram em um estrondodo tiro no pé. Em decisão unânime, o que não é comum, os ministros do STF marcaram a data de início do julgamento do mensalão, numa demonstração cristalina de que as instituições não podem se curvar a vontades imperiais de políticos que se julgam acima do bem e do mai. Disse o ministro Celso de Mello, decano do Supremo: "O consenso que se expressou com a definição da data do julgamento representa uma clara resposta do Supremo Tribunal Federal a qualquer ilegítima tentativa de pressão sobre a corte, venha de onde vier".
A reunião administrativa que sacramentou a data do julgamento teve duas ausências. O revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, foi uma delas. Pressionado por Lula a adiar a análise do caso, Lewandowski avisou em cima da hora que não estaria presente ao encontro, mas informou, por intermédio de assessores, que concluirá seu relatório até o fim de junho. Depende disso a confirmação do inicio do julgamento em agosto. Outro que faltou foi José Antonio Dias Toffoli, mais um personagem com papel destacado na história. Ex defensor de Dirceu, do PT e do governo Lula, além de ser namorado de uma advogada que atuou no processo contratada por mensaleiros, Toffoli tem dito que ainda não decidiu se é mesmo caso de se declarar impedido de participar do julgamento. O ex-presidente Lula insiste para que Toffoli esteja no plenário. Um interlocutor de Roberto Gurgel, titular da Procuradoria-Geral da República (PGR), disse a VEJA que ele avalia a possibilidade de pleitear o impedimento de Toffoli. Se isso ocorrer, o pedido da PGR poderá ser aceito ou rejeitado pelo plenário do Supremo.
A decisão em tomo do calendário é um sinal de que a maioria do tribunal se rendeu aos argumentos dos ministros Carlos Ayres Britto, presidente da corte, e Joaquim Barbosa, relator do processo. Ambos se mostravam preocupados com a possibilidade de os crimes prescreverem caso o julgamento continuasse sendo protelado. A disposição unânime, ou quase, dos ministros do STF pode ser interpretada também como um sinal de que eles tenderão a ser implacáveis com certas manjadas manobras processuais protelatórias que costumam ser usadas pela defesa. "A decisão unânime demonstra que o Supremo tem um perfil coletivo", disse a VEJA Ayres Britto. O julgamento dos mensaleiros provocará mudanças na rotina do STF. Nas duas primeiras semanas, o tribunal fará sessões diárias de cinco horas, exclusivas para o caso. No dia 3 de setembro, o ministro Cezar Peluso completa 70 anos, idade em que, pela lei, ele tem de se aposentar. Peluso tem o direito, porém, de antecipar seu voto, que continuará valendo mesmo que, na data da conclusão do julgamento, ele já esteja aposentado.
Se as punições recentes de envolvidos no "mensalão do DEM", esquema que levou à prisão o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, valerem como prenúncio do veredicto do STF no caso do mensalão do PT, os réus têm com o que se preocupar. Dois anos depois de serem flagrados em vídeo recebendo propina em troca de apoio político, os ex-deputados distritais Júnior Brunelli e Eurides Brito foram punidos. Brunelli foi para a cadeia por haver desviado pelo menos 1,7 milhão de reais de emendas parlamentares que beneficiaram sua própria família. Eurides, filmada escondendo maços de dinheiro na bolsa, foi condenada a ressarcir aos cofres públicos 3,5 milhões de reais. Em decisão incomum, Eurides terá de pagar multa por danos morais à população de Brasília. É isso que se espera da Justiça.
COM REPORTAGEM DE HUGO MARQUES E GUSTAVO RIBEIRO
Com a palavra, a defesa
Memorial do denunciado. Esse é um dos inúmeros jargões jurídicos que serão repetidos à exaustão durante o julgamento do mensalão pelo STF. Nele, a defesa faz um resumo escrito de suas alegações em favor do réu. VEJA teve acesso ao memorial do denunciado João Paulo Cunha, contra quem foram oferecidas denúncias de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato, crimes que ele teria cometido quando era deputado federal pelo PT de São Paulo e presidente da Cãmara dos Deputados.
As alegações dos advogados de Cunha, do escritório Toron, Torihara & Szafir, são mostras da linguagem e da esgrima lógica ao se descreverem fatos à luz de textos legais:
LAVAGEM DE DINHEIRO - A esposa de Cunha sacou 50000 reais de uma conta da agência de publicidade SMPB do Banco Rural em Brasília, onde todos os mensaleiros se abasteciam. Ela mostrou sua identidade e assinou o recibo. Caso encerrado? Os advogados sustentam que não, porque, primeiro, ela não sabia da eventual origem suja do dinheiro, do contrário não teria dado recibo e se identificado. Segundo, a SMPB tinha também receitas legais e existe "a possibilidade de os 50000 serem provenientes de dinheiro lícito". Terceiro, o dinheiro foi sacado no banco, e, portanto, já estava inserido no sistema financeiro. Se houve lavagem de dinheiro, ela antecede ao saque, e não se pune alguém por "crime antecedente" cometido por terceiros.
Corrupção PASSIVA - Pedem a absolvição por "insuficiência de provas" de que o réu tenha decidido a contratação da SMPB pela Câmara dos Deputados. Quem autorizou a contratação foi o deputado Geddel Vieira Lima.
PECULATO - Crime de subtração ou desvio de dinheiro público para proveito próprio. Cunha é acusado de contratar a SMPB sem exigir a prestação de serviços. Os advogados alegam que um "laudo pericial atesta a realização dos serviços".
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